Audiência ALMG

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Aumento de casos de Chagas no Norte de Minas preocupa autoridades


Segundo especialistas ouvidos nesta quinta (9), doença tem atingido públicos e locais atípicos, mostrando que é preciso adotar novas estratégias de prevenção e combate.

O aumento dos casos de Doença de Chagas no Norte de Minas, com contaminação de faixas etárias e locais historicamente menos afetados, preocupa autoridades de todos os entes da federação. Na avaliação de alguns convidados da reunião da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (9/10/25), a criação dos projetos federais Integra Chagas Brasil e Cuida Chagas jogou luz sobre esse problema negligenciado há anos, fazendo com que aumentassem as notificações dessa patologia.
“Não estamos falando de recrudescimento de casos. Na verdade, os projetos estão dando visibilidade a essas pessoas que sempre tiveram a doença”, explicou Andrea Silvestre de Sousa, pesquisadora da Fiocruz nos dois projetos. Ela explicou que a doença tem prevalência em áreas de maior vulnerabilidade social, como evidencia o maior número de casos em Espinosa, Porteirinha e Janaúba, no Norte de Minas.

Também pesquisadora dos dois projetos, em Espinosa, Eliana Amorim de Souza reforçou que a proposta é desenvolver modelos de estudo e atuação para a doença que possam ser replicados em outros territórios. O município é basicamente rural (30% a 40% no campo), com 17% de analfabetos, com alta demanda por ações pela moradia e na saúde. “São 4,6 milhões de pessoas com Chagas no Brasil, e o Norte de Minas é a região com a taxa da doença mais severa, maior que a do Brasil”, disse.

Ela completou o projeto construiu uma linha de cuidado para depois ser instituído o teste rápido, feito pela Biomanguinhos. Em 15 minutos, o teste consegue fazer a triagem entre pessoas com possibilidade de ter Chagas (as quais devem fazer exames comprobatórios posteriormente) e outras sem essa probabilidade. Em Espinosa, com 30.400 habitantes, 10 mil testes foram realizados, confirmando 600 casos da doença. Em Porteirinha, com população semelhantes, de quase 9 mil testes, 550 deram positivo.

“Temos jovens e adultos com a doença, mostrando que ela não é exclusiva do idoso”, informou. Eliana Souza acrescentou que 31% dos acometidos tem sintomas cardíacos ou digestivos, o que demanda serviços de saúde de média e alta complexidade da região.

Transmissão


Michella Assunção Roque, cardiologista em Espinosa, integra o grupo de estudos sobre doenças negligenciadas da Sociedade Mineira de Cardiologia e buscou desmistificar algumas falas em relação à Doença de Chagas: “Provocada pela infecção por Tripanossoma Crusis, a doença é transmitida, não só pelo barbeiro, mas também da mãe para o filho, por alimentos contaminados e por transfusão de sangue”.

Do total de acometidos, 70% passam por fase crônica indeterminada, em que não há sintomas, e 30% estão na fase crônica determinada, marcada por problemas no fígado e no coração. Entre os problemas mais comuns estão a dilatação do esôfago, levando a dificuldade de engolir, e a dilatação do intestino e do coração (como arritmia, cardiopatias), além de acidentes vasculares cerebrais.

Ela lembrou das dificuldades para atender os pacientes em Espinosa, onde o foco principal da doença está a mais de 80 km da sede do município. “Da área urbana até o último território rural são 110 km, levando-se até 4 horas de viagem para chegar até lá”, disse.

Apesar de o município contar com 100% de cobertura na saúde e 12 equipes de saúde da família, Michella pediu o envio de testes rápidos e a ampliação da média e da alta complexidade para a região, considerados gargalos nas cidades.
Lileia Gonçalves Diotaiuti, pesquisadora do Instituto René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, respondeu a um questionamento do deputado Arlen Santiago (Avante), que solicitou a audiência. Ele perguntou se no combate ao barbeiro, usava-se ainda o BHC na borrifação. Ela respondeu que essa substância foi proibida em 1985, pelo impacto ambiental, e substituída pelos chamados piretroides.

Segundo a pesquisadora, atualmente, há bons instrumentos para controle dos barbeiros, faltando apenas apoio aos municípios para que consigam melhorar sua estrutura e assumir o trabalho.

Adaptação dos barbeiros


Manoel da Costa Rocha, 1º vice-presidente da Academia Mineira de Medicina e coordenador do Serviço de Referência em Doença de Chagas do Hospital das Clínicas, representando o presidente da AMMG, Fábio Augusto de Castro Guerra, lembrou que o controle vetorial da Doença de Chagas corre paralelamente à melhoria da qualidade de vida da população. Ele alertou que a patologia, antes restrita a casas de pau a pique em áreas rurais, agora atinge a zona urbana, em função da adaptação dos barbeiros. Por isso, propôs o reforço das ações de vigilância epidemiológica.

Normanda Souza Melo, cientista e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, confirmou a informação de que o triatomíneo aprendeu a se urbanizar. Pesquisando Chagas em São Francisco (Norte), ela detectou que a testagem negativa da contaminação por esse barbeiro pode falhar às vezes, produzindo um “falso negativo”.

Marcela Lencine Ferraz, diretora de Vigilância de Doenças Transmissíveis e Imunização da Secretaria de Estado de Saúde, enfatizou que 3% das casas do Norte de Minas estão infestadas pelo barbeiro. “É preciso fortalecer a vigilância entomológica nas casas”, propôs. Ela divulgou a teleconsultoria oferecida pela SES para várias doenças, entre elas, a de Chagas, destinada aos profissionais de saúde.

Acometidos por Chagas criam associação em Espinosa


Edivar Pereira da Silva, presidente da Associação de Pessoas Acometidas por Chagas de Espinosa, reclamou que os sintomas da doença provocam um sofrimento terrível. A associação teria surgido para lutar pela melhoria do tratamento. “Acho que a negligência é pior que a doença – as políticas públicas são fracas e não tem nenhuma delas em nível estadual. Queremos projetos de educação e prevenção, para que não aconteçam novas contaminações”, reivindicou.

Ele destacou também que os pacientes têm dificuldades para fazer exames de imagem e tratamento digestivo. “Peço a parceria da Assembleia para mobilizarmos políticas públicas de tratamento e de divulgação da doença”, solicitou.

Alberto Novais Ramos, pesquisador da Universidade Federal do Ceará, explicou que a doença tem relação direta com fatores diversos como o desmatamento e questão social. “Precisamos de uma agenda que inclua, não só políticas de saúde, mas de assistência social, ambientais e econômicas”, postulou. Também defendeu a formação das novas gerações de médicos para diagnosticarem e tratarem de Chagas.

Ao final da reunião, Arlen Santiago fez o convite para que, em março de 2026, os convidados venham participar de nova audiência para avaliar o resultado das ações de controle da Doença de Chagas. Também divulgou que iria ligar para o titular da Secretaria de Estado de Saúde solicitando uma estratégia de apoios aos municípios mais impactados pela doença. “Não é possível que essa doença vai continuar vencendo depois de 120 anos de sua descoberta.

Fonte: ALMG

Foto: Henrique Chendes