Dia Mundial sem Tabaco

Dia Mundial sem Tabaco

A Organização Mundial da Saúde anunciou o slogan da campanha de 2025 do Dia Mundial Sem Tabaco. ‘Desmascarando a indústria do tabaco: expondo as táticas das empresas para deixar os produtos de tabaco e nicotina mais atrativos’.

Este ano, a campanha mostra as tácticas que as indústrias do tabaco e da nicotina utilizam para fazer com que os seus produtos nocivos pareçam atraentes.

Leia abaixo:

Texto da pneumologista e presidente da Comissão de Controle do tabagismo, álcool e uso de outras drogas da Associação Médica de Minas Gerais, Maria das Graças Rodrigues de Oliveira

O Dia Mundial sem Tabaco – 31 de maio – foi criado em 1987 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para informar a sociedade, divulgar dados relevantes e sensibilizar legisladores e tomadores de decisão sobre as doenças e mortes evitáveis relacionadas ao tabagismo.

Tabagismo: uma doença pediátrica

De acordo com a OMS, o tabagismo é uma doença pediátrica, pois cerca de 90% dos fumantes se tornam dependentes da nicotina antes dos 19 anos de idade. Os adolescentes, em particular, querem vivenciar novas experiências, colocar-se como indivíduos capazes de fazer escolhas independentes, desafiar regras e satisfazer a necessidade de pertencimento e aceitação pelo grupo. Entretanto, o seu sistema nervoso ainda está imaturo para o controle das emoções, o que os torna vulneráveis à adoção de comportamentos de risco, entre os quais a instalação da dependência química da nicotina e de outras drogas.

A perversidade da indústria de tabaco

Antes da década de 1950, quando as entidades médicas mundiais começaram a realizar e publicar estudos conclusivos sobre os malefícios do uso dos produtos do tabaco, a indústria de tabaco já sabia que a nicotina provocava dependência química, câncer e outras doenças e sempre se utilizou perversamente de estratégias de marketing para capturar crianças, adolescentes e jovens – os quais manterão a dependência da nicotina por muitos anos ou por toda a sua vida – para substituir os fumantes que morreram ou pararam de fumar e, assim, manter seus lucros exorbitantes.

A OMS visa desmascarar a referida indústria, expondo suas táticas para deixar os produtos de tabaco e nicotina mais atrativos, com a adição de sabores e aromas (OMS, 2024).

Estratégias da indústria

  • Colocação de sabores, aromas e outros aditivos em seus produtos;
  • Estratégias de marketing glamourosas, designs elegantes, embalagens, modelos e cores atrativas
  • Publicidade e propaganda, especialmente nas mídias digitais (mesmo que proibidas), com a utilização de influenciadores digitais, modelos, celebridades, memes, vídeos e posts em redes sociais
  • Publicações camufladas como notícias, dicas de saúde ou entretenimento para driblar as restrições das plataformas
  • Utilização do conceito de Responsabilidade Social Corporativa, associando seu nome a pautas positivas de diversas ordens, como forma de oferecer uma imagem imparcial, de empresa responsável e comprometida com as causas sociais, ao mesmo tempo em que mina as políticas de controle do tabaco e de saúde pública no Brasil
  • Realização de campanhas em escolas e universidades, incluindo programas de prevenção ao tabagismo, doação de materiais e equipamentos, palestras e workshops
  • Exposição dos produtos de tabaco nos pontos de venda, perto de balas, chocolates e doces, alvos do desejo de crianças e adolescentes
  • Parcerias com empresas de games: publicidade em jogos online e esportes
  •  Patrocínio de eventos culturais e esportivos, com a contratação de influenciadores digitais para a promoção de seus produtos
  • Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) e produtos emergentes, como snus, snuf e sachês de nicotina. Esses últimos são promovidos como produtos de menor risco em comparação aos cigarros convencionais e a indústria do tabaco destaca a ausência de fumaça visível, buscando legitimar seu uso em ambientes fechados e desconsiderando as legislações vigentes que visam a proteção da saúde pública.

TEMA DO DIA MUNDIAL SEM TABACO 2025 NO BRASIL

“CIGARROS ELETRÔNICOS E ADITIVOS: SABORES E AROMAS ARTIFICIAIS QUE PROMOVEM E PERPETUAM A DEPENDÊNCIA DE NICOTINA”

O tema acima destaca a necessidade de fortalecer ações regulatórias para a redução da atratividade desses produtos, com ênfase nas estratégias voltadas ao público jovem. Nesse contexto, a proibição de aditivos de sabor e aroma em produtos de tabaco é considerada uma das medidas mais eficazes para desestimular a iniciação e dificultar a progressão do uso.

Os objetivos de aumentar a conscientização sobre os cigarros eletrônicos e o uso de sabores e aromas, promover mudanças nas políticas públicas e reduzir a demanda por produtos de tabaco e nicotina, especialmente entre jovens, estão plenamente alinhados aos princípios e disposições centrais da Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos (CQCT), principalmente nos artigos 5.3, 9,10,12,13 e 16.

A CQCT é primeiro tratado global de saúde pública e uma resposta ao enfrentamento da pandemia do tabagismo, chancelado pela OMS e ratificado pelo Brasil em 2005.

A implementação deste tratado passa a se configurar na Política Nacional de Controle do Tabaco, no âmbito do SUS.

Aditivos

São substâncias adicionadas durante a manufatura dos produtos do tabaco, com as finalidades de a) melhorar o sabor e a palatabilidade do produto (produção de sensações refrescantes, melhora da experiência sensorial oral e olfatória, “anestesia” da garganta, com redução das reações aversivas de irritação e tosse, facilitando a experimentação e o uso continuado e podendo criar a falsa impressão de que apresentam benefícios para a saúde ou aumentam a energia e a vitalidade; b) facilitar a inalação e seus comportamentos associados (tragadas mais profundas e de maior volume, menores intervalos entre os puffs, inalação mais rápida e episódios de uso); c) dilatar as vias aéreas, levando a fumaça mais facilmente e profundamente para os pulmões; d) alterar as propriedades físicas da fumaça do tabaco, incluindo o tamanho de suas partículas, o que afeta os níveis de absorção da nicotina e outras substâncias nos pulmões, com o consequente aumento da nicotina no sangue; e) atuar sinergicamente com a nicotina, aumentando o seu potencial de adicção; f) diminuir o pH, com a transformação da nicotina de base livre em sais protonados, que reduzem a aspereza do tabaco, são menos irritantes e podem ser inalados e depositados mais profundamente no trato respiratório.

Estudos indicam que aditivos como mentol, açúcares e amônia contribuem para o aumento da dependência à nicotina, com impactos na iniciação precoce e na menor taxa de cessação entre os usuários.

Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs):

São oscigarros eletrônicos, cigarros de tabaco aquecido, cigarros híbridos e vaporizadores de ervas secas.

Destes, os mais utilizados são os cigarros eletrônicos, que sāo aparelhos mecânico-eletrônicos, alimentados por bateria de lítio e um cartucho ou refil, que armazena uma solução (e-líquid ou vape juice), composta por nicotina  líquida em várias concentrações, solventes (propilenoglicol ou glicerol), água e diversos aditivos, como aromatizantes e saborizantes (cerca de 16 mil sabores até o momento), além de outras substâncias tóxicas e cancerígenas. A solução líquida é transformada em aerossol, que é inalado pelos usuários.

Há quatro geraçōes destes dispositivos até o momento, com muitos modelos, cores e formatos de ítens de uso pessoal (canetas, corretivos, brinquedos, produtos de maquiagem e outros), alguns com reservatórios (tanques), onde os usuários podem adicionar tetrahidrocannabidiol (THC) ou outras drogas ilícitas. Nos dispositivos em formato de pendrive, a nicotina se apresenta sob a forma de sais de ácido benzoico, com concentrações entre 3% e 7%, possibilitando 200 tragadas, o que é similar a fumar 20 ou mais cigarros convencionais, com o potencial de provocar dependência grave, de instalação rápida e de difícil tratamento. Em outros dispositivos de última geração, os usuários podem customizar seus próprios aparelhos, escolhendo os sabores, o poder da bateria e das bobinas de aquecimento, a temperatura e a quantidade de nicotina e outras substâncias liberadas nos aerossóis, de acordo com a sua preferência. Há também modelos que podem ser controlados por voz ou alto-falantes, via Bluetooth.

Além da nicotina, a droga psicoativa que pode provocar dependência química e doenças cardiovasculares, já foram identificadas centenas de outras substâncias nestes dispositivos, muitas delas conhecidamente tóxicas e cancerígenas, que podem provocar doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, pulmonares e câncer.

Por causa da nicotina, a droga responsável pela dependência química, crianças, adolescentes e jovens que os experimentam têm um risco de iniciação no uso de cigarros convencionais 2 a 3 vezes maior do que aqueles que não os experimentam, sendo frequente o uso concomitante dos dois tipos de produto (uso dual). Já foram constatadas alterações no desenvolvimento cerebral, ansiedade e dificuldades de aprendizagem em adolescentes.

EVALI (E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury)

É a sigla em inglês de uma doença pulmonar grave, aguda ou subaguda, que ocorre exclusivamente em usuários de cigarros eletrônicos, geralmente jovens, a qual cursa com insuficiência respiratória, lesões pulmonares graves, óbitos ou sequelas, algumas delas com necessidade de transplante pulmonar.

Doenças a médio e longo prazo pelo uso dos DEFs

Quanto às doenças que podem ser provocadas a médio e longo prazo pelo uso dos DEFs, ainda não há dados disponíveis, por causa do pouco tempo transcorrido desde a sua comercialização no mundo, iniciada em 2007. Entretanto, muitas das substâncias identificadas até o momento já são conhecidas e podem provocar doenças cardiovasculares,  cerebrovasculares, respiratórias e vários tipos de câncer.

Há também relatos de acidentes como explosões nos usuários e intoxicações em crianças (por ingestão dos líquidos), queimaduras, etc.

DEFs, cessação do tabagismo e redução de danos 

Com relação à afirmação da indústria de que os DEFs são um auxílio para a cessação do tabagismo ou mesmo para a redução do número de cigarros fumados, até o momento as evidências não são robustas e suficientes para confirmar este argumento.

Medidas regulatórias          

 No Brasil, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº14/2012 da Anvisa, que estabelece a proibição de aditivos que conferem sabor e aroma aos produtos de tabaco, foi elaborada com base nos princípios da proteção à saúde previstos na legislação sanitária nacional e nas diretrizes da Convenção- Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), em especial os Artigos 9 e 10, que orientam os países a regularem a composição dos produtos com o objetivo de reduzir sua atratividade e seus danos à saúde. Desde sua publicação, a RDC 14/2012 tem enfrentado questionamentos judiciais por parte da indústria fumageira, o que resultou na suspensão de sua aplicação plena. Nesse período, foram registrados mais de 1.100 novos produtos de tabaco contendo aditivos no Brasil, reflexo do uso de medidas liminares que permitiram a continuidade da comercialização. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a legalidade da atuação da Anvisa e sua competência para regular a composição dos produtos de tabaco. Contudo, como a decisão não teve caráter vinculante para os entes subnacionais, a norma segue parcialmente judicializada. Atualmente, tramita no STF uma nova ação movida pelo Sindicato da Indústria do Tabaco da Bahia (SINDITABACO-BA), cujo julgamento encontra-se em andamento.

A proibição dos dispositivos eletrônicos para  fumar no Brasil foi recentemente revista e confirmada pela Anvisa. A decisão foi tomada após extensa avaliação de seus riscos e impactos à saúde pública brasileira. A Resolução da Diretoria Colegiada RDC n° 855/2024 manteve a proibição de fabricar, importar, comercializar, distribuir, armazenar e transportar, além da propaganda de todos os dispositivos eletrônicos para fumar. Importante ressaltar que essa norma também reafirmou que o uso desses dispositivos e de qualquer dispositivo fumígeno é proibido em qualquer ambiente coletivo fechado.

Dados mais recentes da prevalência do tabagismo no Brasil

●  Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico

Vigitel, 2023: a prevalência de adultos fumantes foi de 9,3%, sendo maior no sexo masculino (11,7%) do que no feminino (7,2%).

           VIGITEL 2024: pela primeira vez registrou-se, no Brasil, um aumento de 24,7% no número de fumantes ³ 18 anos de idade: 11,6%

●  Pesquisa Nacional de Saúde (2019): entre os adultos, a prevalência de usuários atuais de produtos derivados de tabaco — fumado ou não fumado, de uso diário ou ocasional — foi de 12,8% (20,4 milhões de pessoas).

Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (IBGE, 2019): 21% dos alunos matriculados no 9o ano já experimentaram cigarro alguma vez na vida. O percentual de estudantes que experimentaram é maior nas escolas públicas (24,4%) do que nas escolas particulares (12,2%).