Reflexão covídica longa

Reflexão covídica longa

Reflexão covídica longa

Há muitos famosos opinando fora dos limites da fama. E especialistas flamejam estantes vazias.

Depois de ter ajudado a suplantar os momentos mais críticos, atuado como professor e médico voluntário, e um pouco rouco, preferi recolher-me. Perdido na tolerância de John Locke, angústias meditam-me caminhos.

Relutante, neste conturbado momento em que a ideociência se alonga mais do que devia, julguei oportuno relembrar alguns conceitos fundamentais.

Primeiro, entender os coronavírus. Em 1987, trabalhei com cultura de coronavírus no Laboratório de Segurança Máxima do CDC (Center of Disease Control and Prevention), em Atlanta. Por que coronavírus? Porque era vírus conhecido do sistema imune humano e de baixíssimo risco, portanto, ideal para treinamentos. Assim foi, até que fosse considerado hábil para lidar com as perigosas riquétsias.  Robert Ricketts e Stanislaus von Prowazek que o digam… O grande cientista brasileiro, Henrique da Rocha Lima, descobridor do agente do tifo endêmico (1916), homenageou seus amigos, falecidos em decorrência de contaminação laboratorial, dando-lhe o nome Rickettsia prowazekii.  Recebeu em honrada retribuição (1917) o nome do agente da febre das trincheiras/doença da arranhadura do gato, Rochalimaea quintana. Atualmente, beirando o esquecimento, pois o nome foi trocado no final do século XX para Bartonella quintana, sob silêncio tolerante da classe científica brasileira. Reminiscências…

Observe-se que os coronavírus são de existência paralela aos animais, e os coronavírus humanos são conhecidos do sistema imune humano, desde tempos imemoráveis. Identificadas no último século, no mínimo quatro “cepas mutantes”, causaram epidemias em humanos. Todas se encontram amortecidas e sob “controle imune” no grupo das viroses respiratórias. Podem causar mortes? Certamente, todas as viroses, particularmente as respiratórias, podem evoluir desfavoravelmente e causar morte por lesão direta, infecção secundária ou resposta inflamatória. Convém lembrar que há outras doenças, que exigem cuidados, e que o correr dos anos é o maior fator de morte…

Segundo, rememorar os conceitos de transmissibilidade e virulência. Ser mais transmissível, ser mais grave e ser mais letal são conceitos intricados, mas distintos, e têm diferentes implicações. Doenças virais, em especial as respiratórias, à medida que grassam, modificam a sua transmissão e reduzem a letalidade. A resistência imune e as vacinas afetam favoravelmente essas taxas, que serpenteiam surtos. Em suma, novas “subvariantes” podem ser mais transmissíveis, porém, quase sempre, menos graves. O medo, no entanto, reacende traumas e induz comportamentos moucos. Alguns, inócuos ou benéficos e preventivos; outros, danosos, antecipam a morte social, com requintes de dolorosa proteção.

Terceiro, e não menos importante, respeitar a economia, os fornecedores especializados em “covidemia”. A força de bilhões de dólares não pode ser desconsiderada. Quanto mais longa e infesta, melhor para o comércio. Chegou-se a ofertar tecidos matadores de vírus para confecção de máscaras. O mercado de diagnóstico laboratorial navega solto no bulício popular. Os sistemas de saúde aceitam a demanda livre e a custo de mercado do diagnóstico para covide, mas ignoram o uso do mesmo método molecular para diagnóstico diferencial das meningoencefalites e pneumonias.

 

Vamos ao agora

Uma variante mutante dos coronavírus, Sars/Cov2, originária de outra espécie animal, fugiu da capacidade protetiva imune, e o resto todos sabem. E já se esqueceram da origem…

Certo é, o tempo nos devolverá o equilíbrio. Até que isso ocorra, “subvariantes” selecionadas entre as bilhões, que surgem normalmente todos os dias, decorrentes de erros no processo de replicação viral, comuns para esses vírus, muito raramente adquirem viabilidade, vantagens e sobrevivem, causando surtos em exponencial descendente de gravidade.

A história sinaliza, a exemplo da gripe espanhola, mais letal do que a covide (30 milhões de mortes na primeira onda e num mundo menos populoso), que, após passagens sucessivas, tudo se acomodará no val das gripes…

Não é novo o uso de desgraceiras para atacar ou defender governos. Mazela antiga. Nova, a disponibilização de meios massivos de divulgação real ou tendenciosa, desprovida de pudores. Pesou na desdita a humanidade despreparada para a primeira epidemia com contagem de mortos em tempo real. Em previsível decorrência, o ignorante boceja, admira e sofre, presa fácil. Saliente-se que somos todos mais ou menos ignorantes, mais ou menos sensíveis e medrosos, em algo, estiolados.

Então, o que é novo?

A sensação de risco em tempo real. A consciência da finitude iminente, perceptível no horizonte visual: a morte comum –aceitável – e a causada pela covide – pavorosa e intolerável.

Somam-se seus desdobramentos econômico-científicos. A oferta e a procura pelo diagnóstico podem tornar-se ferramenta complicante, pois, além de ignorar a confiabilidade do teste, o mesmo não é feito para as demais doenças, algumas até mais graves. O cliente/paciente contenta-se com a resposta binária: É ou não é covide? Uma “variante moderna do ser ou não ser…,” ou, do ainda mais antigo, que Sócrates: Ex nihilo, nihil fit. Quando o não é finaliza, tem hálito de não ser.

O uso da máscara na evitação da covide parece ser a única utilidade deste estribo facial, tão importante na guerra contra as infecções respiratórias. Pobre tuberculose, desprezada, segue e agradece.

O medo descomedido, o impacto no sistema psíquico e as doenças concomitantes (quando não se procura o diagnóstico precocemente, compromete-se a causa e a gravidade do diagnóstico posterior), além de sequelas em fase de comprovação científica, resultando em nova doença, “a síndrome pós-covide” ou “covide longa”. Longo mesmo será o caminho, se há fumaça nas encruzilhadas e óleo nas curvas sinuosas, ou será que o poeta está certo, não há caminhos…

Há questões novas e outras velhas, ressurgindo, reinventadas. Enquanto a tolerância bamboleia nos extremos da mediania, só o tempo e as gerações, faceando o pensamento de WO Quine – a ciência é o árbitro final da verdade –, garimparão respostas, dependentes da tolerância democrática.  Esta, a democracia, exige defesa, é luz a ser conquistada a cada dia. Aquela, a ciência, é luz perdida ou não, mas resistirá às trevas do sem fim!

 

– Sancho, vês aquilo?

– Não, não vejo, meu senhor.

– Tu estás certo! Só se vê aquilo que se conhece…

 

Assino Eu ou Sancho?!

José Carlos Serufo

Membro da Academia Mineira de Medicina

IHGMG, cad 44 e AMM, cad 67