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Processo da vacinação

16 de março de 2021

Vacinação: processo individual ou coletivo?

José Carlos Serufo

 

Se o foco é a desgraça, ela será encontrada.

Os humanos são muito eficientes nisso.

Insuportável, cruel e desleal é tratar a todos como desgraçados.

É penalizar a maioria pela possibilidade do infortúnio.

O medo descomedido da morte nos torna cativos dela.

O pavor da morte, formado no poderoso argumento do risco,

do tudo pode acontecer, pode alongar o tempo do corpo,

 mas insossa a vida. Pois é, pra que?       Jocase

Não há doença cujo tratamento garanta a cura sem riscos e sem possibilidades de complicações.

A medicina evoluiu ao longo dos séculos, particularmente porque aprendeu com os erros, firmou-se no sucesso e buscou alargar seus resultados positivos, em que pesem os riscos.

Se o foco do resultado é deslocado para o pior cenário, todos acabam levados a se posicionarem no centro do alvo mórbido escolhido.

Para cada morte de covid-19, ocorrem 10 mortes por outras causas evitáveis e, em especial, para cada morte de covid-19, 199 pessoas contraem a doença e se curam de forma definitiva. Raramente, ocorre uma reinfecção.

Todas as mortes são certas e iguais, somente se inevitáveis. Lamentar a morte é natural, desde que sem aterrorizar o curado ou criar doenças decorrentes do medo excessivo. O mundo ultrapassou um milhão de suicídios em 2020. A aids fez o mesmo número de vítimas que a coronavirose, enquanto o álcool, duas vezes mais, e o câncer, quatro vezes. E isso é "culturalmente" aceitável. Os olhos do ideocomércio não vislumbraram esse naco. Afinal, evitar uma morte pelo diagnóstico precoce do câncer tem a mesma importância que evitar uma pela covid-19, ou não?

Mais de 99% dos pacientes com covid-19 saram definitivamente. São 90 milhões de casos conhecidos. Então, por que focar na rara possibilidade de reinfecção? A reinfecção é possível em todas as doenças infecciosas. Essas sempre foram tratadas com otimismo, com a esperança da cura, e os pacientes, liberados em base do sucesso. Anualmente são tratados milhões de casos de malária, tuberculose, câncer e aids, entre outros. Felizmente, não se mantêm todos esses pacientes confinados numa sala de temores, aguardando uma possível falha do tratamento.

Contingenciar e atemorizar milhões de pessoas tratadas de doenças infecciosas, curadas ou não, é, no mínimo, uma insensatez, para não pontuar o desumano. Por que distinguir a coverdite?

Nesta toada, vamos manter o povo oprimido pelo medo, mesmo depois da vacinação, com a argumentação de que a vacina pode não ter protegido. A vacinação é um processo coletivo. Assim tem sido com todas as vacinas. Não entre nessa premissa individualista da possibilidade de não ficar protegido. Levante a cabeça e foque o umbigo do povo.

A ciência médica se construiu aprendendo com o insucesso, mas acima de tudo valorizando os acertos e otimizando processos.

O mundo não pode continuar dividido em covid-não-covid e a cerimônia funerária indiscriminadamente desmerecendo o cadáver, aquebrantando o luto dos enlutados.

Quem teve a doença está protegido e considerando-se os possíveis riscos de efeitos colaterais, não deveria vacinar-se ou quando muito, poderia tomar uma dose de reforço. Nos estudos divulgados da vacina Oxford, observa-se que a curva de anticorpos específicos subiu 23 vezes após uma única dose aplicada a um subgrupo de voluntários que tiveram coronavirose. A Fase 3 expandida do processo de desenvolvimento de vacinas, atalhada pela necessidade, segue seus experimentos na prática clínica, dispensando-se, sob o silêncio dos comitês de ética, a exigência do TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido). Órgãos reguladores e bulas registram em seus textos oficiais "Em caso disso ou daquilo pode aplicar a vacina, mas avisem o desejoso que ainda não temos dados sobre isso ou aquilo"

Os testes laboratoriais precisam ser mais bem entendidos. Ter IgG detectável é importante, mas não há nenhuma relação entre o grau de imunidade e o nível plasmático alto ou baixo. Estamos ainda esquecendo o macanudo braço da resposta imune, que é a celular, não avaliada nos testes laboratoriais oferecidos na prática clínica. Não saber a duração da imunidade, não significa que é curta. A imunidade celular contra a grande maioria das doenças, em especial às virais respiratórias, tem a curteza da existência de cada indivíduo. Quando falha, põe em risco a vida. É focado no sucesso da memória imunológica que se adquiriu a liberdade necessária à construção dos pilares da sociabilidade.

Não entrarei na discussão da validação e segurança das vacinas neste momento. Como também, qual ou quais seriam as melhores vacinas. Convém reforçar que haverá vacina para todos os brasileiros em seis meses (310 milhões de doses estão em processo).

É fundamental entender a vacinação como um procedimento coletivo que visa à imunidade de massa, não o resultado individual. Numa população que já está com 12% de recuperados, se uma vacina protege 70%, e se precisamos de 75% da população com proteção para bloquear a doença, então, é preciso vacinar 90%% da população total para atingir 63% de imunidade pela vacina. Não importam os 30% de 90% que não ficariam protegidos, pois o objetivo, que é a eliminação da doença, será alcançado. Se a vacina é inferior, há ruídos de que a vacina Sinovac/Butantan está batendo nos 50%, deve-se aumentar o número de vacinados, com o que o resultado final será o mesmo. Quanto a essa vacina, a otimização da cultura viral e dos processos de inativação do vírus, creio que já percebidos pelos produtores, certamente elevarão o percentual de proteção.

O foco no resultado individual manteria os indivíduos enclausurados, penalizando a todos desnecessariamente. Assim, o objetivo é atingir a imunidade de massa ou de rebanho, que é alçada cerca de 7-14 dias após a segunda dose do produto. A curva epidemiológica é o melhor sensor.

Portanto, a vacinação é um processo predominantemente coletivo que retornará a humanidade ao equilíbrio, prazeroso, sobre as asas esvoaçantes da liberdade.

Assim como na gripe, o coronavírus, um vírus que sofre erros genômicos todos os dias, poderá adquirir uma mutação que lhe confira o escape do sistema imune humano e, portanto, exigir a construção de nova vacina. Possivelmente, no futuro o coronavírus fará parte do programa de vacinação anual contra gripe. A produção de vacina entrará em fase industrial e o domínio da plataforma de produção permitirá o ajuste da variante viral.

Nesse momento, é fundamental uma pausa e todos se unirem para combater essa doença pandemônica, que é infecção e que também é droga. Resolvido o problema - a doença pela vacina e a droga pela razão -, voltaremos fortalecidos à contenda que nos caracteriza como humanos...

O inconfidente Alvarenga Peixoto, que bebeu na fonte de Publio Virgílio (70-19 a.C.), escreveu em nossa bandeira a Máxima de cada hoje e de agora: “Libertas quae sera tamen”.

 

 

Dr. José Carlos Serufo

José Carlos Serufo possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (1976), residência em Clínica Médica (1976-77) e Terapia Intensiva (1978), especialização em Virologia (1979), Saúde Ocupacional (1980), Saúde Pública (1986), Cultura de Células e Tecidos (1988), Administração Hospitalar (1990) e Doutorado em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997). Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Medicina Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Patologia Clínica, Clínica Médica, Infectologia e Doenças Infecciosas e Parasitárias, atuando principalmente nos seguintes temas: doenças infecciosas, diagnóstico laboratorial, biologia molecular, desenvolvimento e validação de testes para diagnóstico laboratorial, urgências/emergências e netropenia febril. Integrante da Academia Mineira de Medicina (AMM)
Fonte: Escavador (Currículo Lattes)

 

O texto é de autoria de José Carlos Serufo e exprime a ideia do autor

 

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